O segredo das coisas

O fogão sentiu-se feliz ao ver que a dona da casa acordara e provavelmente iria usá-lo para ferver a água para o café. Este, o café, estava ansioso no armário ao lado do açúcar. Eles faziam questão de ficarem ao lado do outro pra facilitar o serviço. Os pães e os biscoitos ficavam juntos sempre. Eram melhores amigos, embora o biscoito sentisse um pouco de ciúmes do pão, pois este tinha um caso de amor com a geleia de amora, que ficava na geladeira, junto com seus parentes.
As xícaras faziam o possível para não esbarrarem umas nas outras para não fazerem barulho e estragarem a espionagem. Sim, as xícaras eram espiãs. Elas adoravam seu trabalho! Trabalhavam três vezes ao dia: café da manhã, lanche da tarde e lanche da noite. Nessas horas elas podiam gravar as conversas da família e descobrir se falavam a verdade com um dispositivo acoplado a alça que media a temperatura da mão da pessoa. Se a temperatura fosse alta, era verdade. Se fosse baixa, era mentira. Talvez as xícaras saibam a relação das mentiras e frieza no ser humano. 
Os copos também eram espiões, mas o serviço deles era mais perigoso. Estavam expostos o tempo todo.  Às vezes apareciam com algumas rachaduras na borda por conta de uma dessas espionagens. Quando os donos reparavam essa rachadura inexplicável, os copos tratavam de quebrar. 
A geladeira era a sonsa do grupo. Sempre se fazendo de desentendida. Via tudo mas não falava nada. Os copos e as xícaras desconfiavam que ela era cleptomaníaca e, de vez em quando, sumia com algumas coisas que seus donos guardavam alí para comer ou beber depois. E aquela luz que ela emitia ao ser aberta? Era uma luz que apaga a memória. Por isso que seus donos a olhavam de 5 em 5 minutos. A geladeira não era muito bem vista pelos demais. 
A mesa de jantar era a queridinha de todos pois era o local onde quase todos se encontravam para conversar. Claro, nos momentos das refeições. A mesa sentia-se feliz por ser grande e poder acolher todos alí.
Da sala, os sofás sentiam ciúmes porque também queriam estar na sala de jantar. Mas o ciúme passava quando seus donos se lançavam sobre eles e eles podiam gabar-se de proporcionar conforto nos momentos de relaxamento da família. Além do mais, podiam assistir a tv, coisa que os da cozinha não podiam, a não ser que um dos donos decidissem comer por lá.
As portas e janelas eram os guardiões da casa. Como bons profissionais que eram, sempre ficavam de costas para darem privacidade aos moradores. Eles só ficavam cientes do que acontecia na casa quando eram abertos. 
No geral, todos viviam em harmonia. Cada um desenvolvendo sua função com eficiência. Até os objetos anciãos eram respeitados e muito bem tratados pelos demais. 
Os donos da casa sentiam orgulho de ter conquistado tudo o que estava alí. 
Mal sabiam que em cada coisa havia um segredo e que ao tocá-los, era possível desvendá-los. Nem mesmo as coisas, que guardavam tantos segredos, sabiam desse segredo: quando o café encontra a xícara a mágica acontece e o dono, aos poucos em cada gole, sente os mistérios sendo desvendados.

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