Tentando processar alguma coisa que faça sentido. E tomara que faça...

Essa semana está igual 30 de dezembro: como assim aconteceu um monte de coisa tão depressa?! A vida não para! 
Às vezes gostaria que parasse, para que eu pudesse olhar as coisas e tentar entender ou enxergar, ou entender e enxergar o que se passa. Ou apenas poder sentir.
Houve um tempo em que eu estava surpresa com a descoberta que eu podia chorar. Também houve tempo que a lágrima nem chegava a cair, já evaporava antes do piscar de olhos.
Me lembro da vez que vi minha vó chorar. Ela estava entrando na sala de cirurgia. Com a touquinha escondendo seus lindos cabelinhos brancos. Ela segurava minha mão e eu não me permiti chorar porque queria que ela ficasse tranquila. Mas ela chorou. Disse que me amava. Eu falei que não precisava se preocupar e que logo ela ficaria bem. E ficou. E eu cuidei dela. Meu bebê.
Depois desse período na oncologia com vovó foi difícil chorar. Eu precisava chorar. Eu estava cansada de não conseguir chorar. Tentei me preparar, quase que por 9 anos, pra ser forte, não perder o equilíbrio e o raciocínio em alguma situação de emergência que envolvesse vovó. Acho que fui bem nesse negócio de fingir ser forte. Até acreditei.
Sentir a notícia, pensar sobre ela e seguir em frente. 3 dias. Era o que eu precisava.
Quando vovó morreu, não sei se eu estava preparada para aquilo. Bem, ela já estava com 92 anos, acamada, comida pastosa sendo ingerida através de uma seringa para ela não engasgar. Parecia muito óbvio que ela iria partir. Naquele momento eu não esperava que ela fosse partir. Houve um tempo em que a gente pensou "é agora, a qualquer momento", e não foi. Teve dia em que a vi com os bracinhos roxos por causa da veia fina que estourava toda vez que a enfermeira tentava acesso para o soro. Nesse dia pedi a Deus que a levasse, porque eu não queria vê-la sofrendo. Ninguém quer ver isso. Mas eu achava egoísmo da minha parte pensar assim, e não entendia porque minha vó não morria quando tudo estava preparado para isso. Eu só esqueci de um detalhe: "tudo" é muita coisa!
Minha vó faleceu 3 meses depois. Uma semana após a alta. Ela estava bem para alguém na situação dela. Tivemos um final de semana tão bom. Contei a história de amor dela e do meu avô. Ela nem lembrava que era dela. Nem lembrava que a casa em que estávamos tinha sido feita por ela. E ela sorria, achando lindas as histórias que ela mesmo me contou enquanto sua mente não a traía. Na segunda foi a mesma coisa.
Estávamos em casa, no nosso quarto. Ela estava deitada na cama dela, que era de frente para a minha. Linda. 
A alimentei durante a madrugada com mingau, que ela gostava, e chá para hidratar.
Sua respiração ofegante. Seus olhos me fitaram. Não sei se ela sabia quem eu era. Em seguida ela dormiu. Quis trocá-la para irmos ao médico. A sentei, coloquei a blusinha do pijama, a deitei, a virei para a parede para trocar a fralda, a virei de barriga para cima e depois a abracei para virá-la para meu lado e assim terminar de arrumá-la. 
Foi alí. Seu último suspiro. Nos meus braços. Vi minha vó morrer. Nos meus braços. 
Mas a gente não acredita que a morte chegará assim, nos braços da gente.
Quando fui avisar meu irmão, não falei que vovó tinha morrido. Falei que ela estava estranha.
É engraçado como a gente entra em estado de negação em certos momentos. "A negação não é uma poça de água. É um oceano enorme. Então o que a gente faz para não se afogar?"
Aquele momento, pelo menos até os para-médicos chegarem, foi de dúvida. E quando ouvimos "ela faleceu", a ficha caiu. 
Não foi desesperador. Houve paz. Muita paz. Eu nem sei se consigo explicar aquilo.
Abraçada ao meu irmão, olhando nossa vó morta e ainda quentinha, nós oramos agradecendo a Deus pela vida que ela teve.
Eu agradeci pelo privilégio de ter sido sua neta.
Foi uma morte linda e terrível. Linda porque foi nos meus braços. Terrível porque foi nos meus braços. E tem dia que eu vejo seu corpo sem vida nos meus braços enquanto sonho. E me pergunto porque não consigo sonhar com ela viva, falando seu português carregado no italiano respondendo que era a minha lindinha, meu bebê. Que amava a mim e meu irmão.
Já se passaram nove meses. Um parto de saudade. Nossos videos cantando me fazem chorar de alegria por ela ter vivido aquilo e me permitido viver com ela.
E a vida continua. Tudo mudou. Literalmente. Risos... Cidade, diagnóstico, médico, remédios, casa. 

(suspiro profundo)

Antes de vir pro meu quarto agora, sentei ao lado do meu avô. Conversamos sobre o dia de hoje, sobre minha consulta rotineira com minha neuro, sobre os remédios novos, sobre futuros exames e notícias que pegam a gente de rasteira e nos fazem chorar de não-sei-o-que (enquanto fala ao telefone com seu irmão e ele fala coisas lindas a respeito do que Deus faz através das pessoas e em nós). 
Depois houve um silêncio. Meu avô e eu nos olhamos por alguns segundos. Encostei minha cabeça no seu ombro e chorei. Chorei aquele choro silencioso para não entregar que estava chorando. Ele me fez carinho. Caramba, todo dia ele me faz carinho, mas hoje foi aquele dia que o carinho veio silencioso. 
E abraços silenciosos significam muito para mim.
Hoje foi um dia especial. 

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