366 dias com ela

Talvez você tenha clicado nesse texto por achar que encontraria uma história de amor. Bem, pode não ser uma história de amor, mas é a minha história, e finalmente compartilho com vocês.
Tudo começou quando decidi que estava sedentária e precisava caminhar. Caminhar era ótimo, mas correr... Parecia que minhas coxas (sim, minha coxas) não estavam aguentando segurar meu corpo e que eu ia cair a qualquer momento. 
Bem, o que aconteceu em seguida foi o que qualquer pessoa sedentária faz quando vê que não consegue manter aquilo: liga o botão "ano que vem eu faço" e sai de férias! 
E lá fui eu. Fui para Ilha Grande - Angra dos Reis - RJ, em Provetá (Recomendo! É lindo, é maravilhoso e você fica sem celular e internet e quando deseja fazer uma ligação, usa o Orelhão. Sim, gente, ainda vendem fichas telefônicas e é bem emocionante ligar e apertar o 9 pros créditos não acabarem rápido. Quem nunca?). 
E naquele cenário de pôr-dos-sois e amanheceres lindos, comecei a cair sem razão aparente e não conseguia me levantar. Subir o degrau era bem dificultoso e pentear os cabelos me cansava bastante. Mas a gente nunca acha que é alguma coisa séria, ainda mais se você está fora do peso e passa o dia inteiro no mar. Minha salvação foi um cajado feito de madeira rústica (galho da árvore) que me ajudava nas caminhadas e trilhas.
As férias acabaram e voltei à minha rotina. Comecei a emagrecer sem motivo aparente. Isso foi ótimo! A princípio achei que era de tanto estudar e também por conta das caminhadas até o cursinho. Mas isso não era suficiente para perder tanto peso.
Depois comecei a sentir dificuldades para subir escadas. Um certo dia me senti mal e procurei um neurologista. Ele fez os testes clínicos (bateu com o martelinho no meu joelho e nas articulações, fez o teste de força física, pediu pra subir e descer a escadinha, andar na ponta dos pés, abaixar e levantar. Testou todos os meus reflexos)  e pediu exames clínicos (esse exame de sangue foi caro! Mas como é um exame bem específico e detalhado, a gente não tem outra opção a não ser pagar. Pelo SUS demora uma eternidade para agendar o dia que vai marcar o dia da consulta. Olá, Brasil!). O outro exame era o Eletroneuromiografia (ENMG). Até hoje não sei se isso se fala no masculino ou feminino. (Caro também! Quase tive que vender um rim no mercado negro.) Tive a sorte de encontrar um neurologista muito gente fina que me atendeu com muito carinho. O exame é dividido em duas partes. A primeira verifica os reflexos dos seu corpo. Como? Um bastão que dá choque (choque de verdade) e é colocado nas terminações nervosas periféricas do corpo. No meu caso, meus nervos responderam muito bem. O doutor logo descartou alguns diagnósticos. O que foi um alívio! Até esqueci dos choques.  
A segunda parte. Ah, a segunda parte... 
(uma pausa para respirar profundamente).
A segunda parte testa o funcionamento dos seus músculos. Agulhas parecidas com as de acupuntura, com eletrodos na extremidade que emitem um som, ou não, como se fosse uma frequência ruim de um rádio. Quando o som é emitido, indica que os músculos estão com problemas. Se não emitir, significa que você pode ir pra casa feliz por não ter nada ou preocupado porque não conseguiu o pré diagnóstico. 
Essas agulhas são colocadas em todos os músculos. Começamos nos pés, depois panturrilha, coxas, braços, antebraços, mãos, rosto, costas. Costas! Meu Deus, como dói! A impressão era que eu era um fogão com a boca entupida e a dona do lar, caprichosa, quisesse desentupir com aquela agulhinha própria pra desentupir boca de fogão, e assim o faz, cutucando o máximo que pode. Parecia que estava cutucando minha alma. E ainda tinha que contrair e relaxar os músculos enquanto aquela agulha se divertia e emitia em alto e bom som aquela frequência indefinida como se Aliens quisessem se comunicar com com a terra e estivessem usando meus músculos e aquele aparelho para isso.
Sim, meus músculos estavam encrencados. E o pré diagnóstico foi de Miosite. Uma séria inflamação muscular que atrofia os músculos. Saí do exame exausta. 
Quando o resultado de sangue saiu meu neuro comparou com o enmg e descartou a hipótese de miosite, pois o de sangue indicava algo mais sério e por isso era necessário uma terceira opinião. Então começamos a saga para duas coisas: descobrir o que eu tinha e encontrar um reumatologista. Levou meses até encontrar as duas coisas. Primeiro achei o reumato. É até engraçado quando tenho consulta com ele porque sou a única jovem. A maioria é de 50 anos pra cima. 
Refiz, refiz e refiz exames de sangue e o diagnóstico, junto com meus sintomas reforçaram o diagnóstico de polimiosite. À cada 200 mil pessoas, 1 é acometida com a Poli. Sim, dei apelido a ela. É uma doença autoimune, ou seja, as células de defesa do meu organismo consideram todos os meus músculos inimigos e por isso, atacam sem dó, (igual no UFC: os dois brigam querendo vencer o outro através de socos e murros e chutes, mas no fim , não é nada pessoal!) causando uma série de coisas dolorosas. Ela pode surgir em crianças ou só depois dos 45 anos. A minha surgiu aos 24 anos. Ou seja, mais raro ainda. "Não sou pouca porcaria, não!" hahaha 
Quando eu soube, pensei em todas as piores possibilidades possíveis. Mas nem tudo é tão ruim quanto parece ser. Só precisamos olhar com calma. E eu tive (depois de chorar bastante). Minha calma veio de Deus.  
Certo dia alguém me citou uma frase de um livro que não me recordo qual é e que estou com preguiça de procurar no Google, que dizia assim: "coisas extraordinárias acontecem com pessoas extraordinárias". E sabe, eu discordo. Não sou extraordinária. Sou alguém comum. Não consigo me ver como alguém espetacular só por causa da Poli. Não é ela que me define. Sim, tenho minhas dificuldades e momentos que eu queria que não tivesse acontecido, como quando não tive força pra segurar os talheres para cortar um peito de frango e comida caiu toda no meu colo, fazendo com que, os que estavam no restaurante, olhassem tortos  para mim. 
É chato não conseguir correr, nem andar muito, nem subir escadas direito.
Mas eu me adaptei. Escolhi aceitar do que viver em briga com a Poli. 
Deixei pra lá os meus saltos altos (o que pra mim foi um alívio!), troquei bastante coisa da minha alimentação, aumentei meu colchão pra ficar alto o suficiente pra eu sentar e levantar sem dificuldade, parei de pegar peso (ninguém me chama mais pro serviço pesado hahah). Eu sou grata a Deus por isso ter acontecido comigo. Minha família e amigos me ajudam e fazem piada com isso. E eu adoro isso! Rir da gente mesmo é uma coisa fantástica! Tente isso algum dia e saberá do que estou falando.
Enfim, conseguimos encontrar um tratamento que desse certo. Ele surgiu numa tentativa de socorro, pois da última vez que fui ao médico, em dezembro, ele ficou bem preocupado com a piora e até me deu o número particular dele. A gente sabe que está mau quando seu médico diz que você pode ligar a hora que precisar. Mas o tratamento funcionou! Estou nele ha 2 meses. Ele, o Sr. Corticoide, diminuiu as dores (sim, dói muito! Tudo), me deixou com mais força, principalmente nas pernas e mãos (foi um alívio parar de cair. Já estava quase pedindo de presente uma joelheira) e mudou meu corpo completamente. Confesso que é mais chato ter que explicar porque estou tão inchada (14kg, Brasil) do que porque estou andando igual uma pata.
Agora estamos diminuindo a dose para tentar ver como me sinto. E não me sinto muito bem com essa dose baixa não. Mas a gente se adapta ao que vem. Esperamos, em breve, poder começar a fisioterapia.
Às vezes me pego olhando para trás, lembrando de tudo, das incertezas, do medo do futuro. Mas veja só: estou aqui. E seja lá o que a Poli vai me dar daqui pra frente, continuarei disposta a me adaptar a ela sem deixar que ela me domine. 
Aceitar as coisas não me torna alguém incrível, como alguns dizem. Me faz querer ser relevante para as pessoas e estou tentando ser. 
Me orgulho de ser a Viviani. Serva de Deus, futura médica cirurgiã (não passei ainda gente, calma, que falta pouco!), que adora piadas de pintinho, adora ouvir histórias e que é incompreendida musicalmente. É sério. Isso dói.
Sei que assim como eu várias pessoas também acordam todas as manhãs dispostas a serem relevantes na vida de outras pessoas, independentemente se tem alguma doença ou não. O amor fraterno é uma língua universal pouco compreendida. Precisamos ser tradutores ambulantes dele.
O mundo não parou por minha causa e nem vai parar. Ele gira, incansável, trazendo para nós novas oportunidades. Nada na nossa vida é em vão.
Nesse mês, eu e a Poli completamos 1 ano de convívio. 
Se cheguei até aqui, foi pelo amor de Deus.

Se você conhece alguém que também tenha alguma doença autoimune muscular, por favor, entre em contato comigo pelo e-mail viviani_g@hotmail.com.

E, querido leitor, essa é a primeira vez que falo abertamente sobre a Poli. Obrigada por ler!
Todo mundo tem uma história pra contar.E agora você tem uma parte da minha história.
Espero poder conhecer sua também. 

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